Gente boa!
Basta você ficar
alguns momentos num Pronto Socorro, seja por qualquer das razões de
um episódio desses e você tem material pra muito papo...
A primeira coisa que a
gente percebe é que o analfabetismo, dito funcional, campeia à rodo
pelo nosso país. Isso por que estou no Estado mais avançado no
teórico índice de analfabetismo e também de oportunidades
educacionais, etc...
E o que tem a ver
analfabetismo com Pronto Socorro?
É que o povo não
consegue entender quase nada do processo que ocorre num lugar desses
por que apesar de ler as letras das placas e sinais não sabe o
significado dos textos, além de não entender as orientações
horrorosas que os atendentes dão (também acho que é um saco
repetir 500 vezes por dia a mesma coisa, mas então procure-se um
outro emprego ou especialize-se no atendimento da burrice alheia):
fazer ficha, passar
pela triagem, aguardar a chamada, fazer exames, voltar ao médico,
seguir com as providências finais (internar ou ir pra casa).
Dia desses estava eu
num desses P.S.´s e fiquei só observando as coisas que aconteceram.
A placa em cima do
painel diz: “Consultórios de 4 a 8”.
O painel chama a senha
“x” para a sala a 13?!!!
Até o alfabetizado
fica perplexo!
O pessoal que não
entende fica bravo pois acha que está sendo preterido.
Briga, fala alto,
desrespeita o funcionário que está pra atendê-lo, embora muitos
desses já entraram no “dane-se, essa burrice não é da minha
conta”, por que afinal depois de muita paciência vem o saco cheio.
Cheio de aturar a
incapacidade dos nossos governos em prover condições para a
evolução das pessoas tanto pessoal como profissionalmente, como
socialmente, como...enfim, terceiro mundo parece ainda um prêmio
diante do quadro efetivo que se apresenta.
O povo entra nas filas
erradas, não entende a orientação recebida, olha feio pros
guardinhas que são treinados pra fazer cara de bravo, de malvado.
E o ambiente que já
não é o melhor de todos, gigante de problemas, pela sua própria
natureza, igualzinho a um certo hino... vai ficando carregado.
Depois tem a TV que
fica pendurada lá em cima num canto das salas de espera, sem som e
com aquelas legendas que vivem atrasadas em relação ao que se passa
na telinha.
Ah! Observa-se que o
canal sintonizado é dos piores. Aquele que só transmite as
baixarias, absurdos morais e vivenciais que aprofundam o
analfabetismo que agora se torna também social, econômico e
político. As TV´s que deveriam ser um instrumento de elevação do
povo e sua condição trabalha exatamente no sentido contrário.
Quando um programa é de fato bom, ele passa lá pelas 11:45, horário
que o indivíduo da geral já tá dormindo ou indo pra cama, ou
acabou de entrar pro turno da noite!
Um burburinho constante
não deixa a maioria escutar os chamados dos painéis de senhas.
Depois de vários “apitos” do painel a moça grita de traz do
balcão: “687”, “687”, “687”...
O burburinho diminui um
pouco, um monte de gente olha um pra cara do outro como se
perguntasse: “o que foi que ela disse?”, ou “que número ela
falou?”, e de repente alguém se levanta esbaforido e correndo vai
até o balcão.
O sistema de senhas é
o primeiro a confundir a cabeça dos pessoal pois são várias
sequências distintas, uma pra atendimento normal, outra pra
preferencial, fora os casos graves que entram passando na frente de
todos, e ajeitando a papelada depois, o que está correto, afinal
trata-se de um “PRONTO” “SOCORRO” (demora umas 5 horas,
mas...).
Mas esse sistema que
hora chama uma sequência e hora outra provoca aquela indignação do
tipo: “ por que eu ainda não fui chamado?”, “essa pessoa
chegou depois e já foi atendida?” …
É o tal protocolo que
classifica o risco e tenta organizar o atendimento. Muito bom na
teoria, pra alfabetizado nenhum botar defeito. O problema é que
esses alfabetizados são em número bem reduzido.
Alguns que conseguem
entender o processo, ou que já passaram por ele mais de uma vez
tentam explicar para os outros como é que a coisa funciona. Do seu
jeito.
E aí vem a
solidariedade do nosso povo que compartilha a sabedoria da vida sem o
saber das letras.
E cada historia que é
contada...
- “Meu filho é especial. Não pode comer açúcar mas gosta de um doce que só”. Agora não consegue fazer xixi e ninguém sabe porque...Está lá na ala vermelha. Eu não vou entrar. Eu sou acelerado e não passo bem vendo isso tudo.
Outro diz:
- ela está na ala amarela. Eles não estão chamando a gente. É por que aconteceu alguma coisa lá dentro. Será que é com minha filha? Acho que é por que chegou muita ambulância. (era hora de visita!).
E quando alguém é
chamado, “Boa sorte!, Fica com Deus”.
De fato várias
ambulâncias tinham chegado.
Uma garotinha de uns 4
a 6 anos, atropelada, com a perninha torta da fratura, chorava pra
caramba. Os médicos e para médicos correram todos, todo mundo
falando junto entre si e com a menina.
Arrumaram a perninha
dela e colocaram numa tala. A mãe trabalhava ali no hospital e
estava de plantão, era auxiliar de enfermagem. E lá vai a menina
pra sala vermelha. Com a mãe, afinal menores e muito maiores podem e
até mesmo devem ser e ficar acompanhados. Mas muitos ficam é
sozinhos mesmo, por desinformação ou por covardia dos
acompanhantes.
Dali à pouco chega o
pai.
Alguém lhe pergunta:
Você é o pai da menininha? Por que num lugar desses pouca gente tem
nome! (é senhorzinho, senhorinha, menina, moça, moço...). Ele, o
pai, vai confirmando e já se desculpando: Sou sim. Foi um segundo
Ela estava do meu lado. Tirei ela debaixo do carro. O motorista não
culpa nenhuma....
E o perguntador
anônimo, vendo o desespero, diz: Ela está bem, nem chorou quando os
médicos mexeram com ela...
Hã?!! Entendi!!
O guardinha, gordinho,
com jeito de bonzinho, com um paletó que não fechava direito, que
faz uma cara de mau, tentando impressionar: O senhor já fez a ficha
dela? Me passa aqui.
Depois chegou um
camarada com a cabeça enfaixada e a faixa com algum sangue. Estava
na ala vermelha e veio pro saguão pra ser levado para a tomografia.
Não tinha acompanhante. Chamou o enfermeiro algumas vezes até que
este lhe atendeu. Queria a mochila dele. Depois de recebê-la, tirou
dela o celular e a carteira e colocou no bolso. E ficou ali na frente
de todo mundo aguardando ser levado pra tomo, com a mochila em cima
do corpo, desajeitado que estava naquela maca sem apoio pro pescoço.
Outro com a cabeça
enfaixada chegou acompanhado. Bêbado que só. Seu acompanhante um
travesti. E quanta lição de moral o bêbado escutou, ou melhor os
que estavam no saguão escutaram pois o bêbado mesmo aparentava não
escutar nada. E o acompanhante falava alto pra dedéu!
Mas o mais interessante
foi ver a cara e as feições do tal guardinha. Torcia o nariz,
olhava de lado, meio torto, como quem no mínimo não aprovava o que
via. A cada sermão uma torcida de nariz. Aparentemente tanto o
bêbado como o travesti eram moradores de rua. E os conselhos do
travesti ao bêbado nem podem ser publicados aqui (sem a autorização
do “sem nome”, é claro).
Uma senhora, nova, em
agonia na sala de espera. Seu marido, ainda novo, sofrera um
princípio de AVC (Acidente Vascular Cerebral). E como não era menor
e nem muito maior não podia ficar lá dentro acompanhado. Passa uma
enfermeira que saia de dentro da tal sala vermelha. A senhora
pergunta: “como ele está”. - Fulano de tal? Tá dando o maior
trabalho, tá gritando e xingando todo mundo!
Pela história da
senhora, a mãe do marido havia falecido ali mesmo depois de ser
internada com um AVC, e na cabeça do homem, era culpa do hospital:
“Eles mataram minha mãe”.
Ele não queria ser
internado. Nem percebia que tinha tido um princípio de AVC. E a
mulher do lado de fora ficou mais nervosa ainda. Apertava as mãos.
Sentava e levantava...
Pois é, os dramas
comovem e solidarizam as pessoas. Afinal ali, a maioria fica
impotente, e vendo um o sofrimento do outro angariam forças pra
tocar o seu lado da vida.
A menininha atropela
sai da ala vermelha pra ser levada para o raio “X”. E aquele pai
desaba em choro. Inconsolável, sentindo-se culpado. Toma uma dura da
mulher que já acalmada e a par da situação manda ele ficar quieto
e não atrapalhar.
A evidente falta de
funcionários no hospital se demonstra quando os acompanhante é que
tem que carregar a maca do doente de um lado pro outro. Leva pra
tomo. Volta por que não tem ninguém lá. Toma bronca. Volta pra
tomo. Tá sozinha. Manda chamar outro acompanhante que está na
recepção. Leva pra lá, volta pra cá. Gente que pagou o imposto,
já no hollerith, descontado na marra, e que tem que fazer o serviço
pelo qual pagou.
Deixamos o local com
aquela sensação de impotência, pois o problema é gigante,
pela.... como já mencionamos.
Estacionamento a pagar
pois mesmo sendo um local público não tem lugar pra carro, afinal
na cabeça de muitos governantes, sistema público não é pra quem
tem carro, é pra pobre.
Pobre na verdade é
esse que tem esses pensamentos e convicções medíocres, que dividem
as pessoas em castas e lhes negam a condição de mudança. Deveria
ser esse, impedido de receber atendimento no Sírio-Libanês, às
nossas custas, e entrar nas filas do “melhor sistema de saúde
pública do mundo” (imagine só o que tem por aí!).
A menininha atropelada
gritou e foi atendida de imediato!
Fica aí a dica!