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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Momentos de um Pronto Socorro





Gente boa!

Basta você ficar alguns momentos num Pronto Socorro, seja por qualquer das razões de um episódio desses e você tem material pra muito papo...

A primeira coisa que a gente percebe é que o analfabetismo, dito funcional, campeia à rodo pelo nosso país. Isso por que estou no Estado mais avançado no teórico índice de analfabetismo e também de oportunidades educacionais, etc...

E o que tem a ver analfabetismo com Pronto Socorro?

É que o povo não consegue entender quase nada do processo que ocorre num lugar desses por que apesar de ler as letras das placas e sinais não sabe o significado dos textos, além de não entender as orientações horrorosas que os atendentes dão (também acho que é um saco repetir 500 vezes por dia a mesma coisa, mas então procure-se um outro emprego ou especialize-se no atendimento da burrice alheia):

fazer ficha, passar pela triagem, aguardar a chamada, fazer exames, voltar ao médico, seguir com as providências finais (internar ou ir pra casa).

Dia desses estava eu num desses P.S.´s e fiquei só observando as coisas que aconteceram.

A placa em cima do painel diz: “Consultórios de 4 a 8”.

O painel chama a senha “x” para a sala a 13?!!!

Até o alfabetizado fica perplexo!

O pessoal que não entende fica bravo pois acha que está sendo preterido.

Briga, fala alto, desrespeita o funcionário que está pra atendê-lo, embora muitos desses já entraram no “dane-se, essa burrice não é da minha conta”, por que afinal depois de muita paciência vem o saco cheio.

Cheio de aturar a incapacidade dos nossos governos em prover condições para a evolução das pessoas tanto pessoal como profissionalmente, como socialmente, como...enfim, terceiro mundo parece ainda um prêmio diante do quadro efetivo que se apresenta.

O povo entra nas filas erradas, não entende a orientação recebida, olha feio pros guardinhas que são treinados pra fazer cara de bravo, de malvado.

E o ambiente que já não é o melhor de todos, gigante de problemas, pela sua própria natureza, igualzinho a um certo hino... vai ficando carregado.

Depois tem a TV que fica pendurada lá em cima num canto das salas de espera, sem som e com aquelas legendas que vivem atrasadas em relação ao que se passa na telinha.

Ah! Observa-se que o canal sintonizado é dos piores. Aquele que só transmite as baixarias, absurdos morais e vivenciais que aprofundam o analfabetismo que agora se torna também social, econômico e político. As TV´s que deveriam ser um instrumento de elevação do povo e sua condição trabalha exatamente no sentido contrário. Quando um programa é de fato bom, ele passa lá pelas 11:45, horário que o indivíduo da geral já tá dormindo ou indo pra cama, ou acabou de entrar pro turno da noite!

Um burburinho constante não deixa a maioria escutar os chamados dos painéis de senhas. Depois de vários “apitos” do painel a moça grita de traz do balcão: “687”, “687”, “687”...

O burburinho diminui um pouco, um monte de gente olha um pra cara do outro como se perguntasse: “o que foi que ela disse?”, ou “que número ela falou?”, e de repente alguém se levanta esbaforido e correndo vai até o balcão.

O sistema de senhas é o primeiro a confundir a cabeça dos pessoal pois são várias sequências distintas, uma pra atendimento normal, outra pra preferencial, fora os casos graves que entram passando na frente de todos, e ajeitando a papelada depois, o que está correto, afinal trata-se de um “PRONTO” “SOCORRO” (demora umas 5 horas, mas...).

Mas esse sistema que hora chama uma sequência e hora outra provoca aquela indignação do tipo: “ por que eu ainda não fui chamado?”, “essa pessoa chegou depois e já foi atendida?” …

É o tal protocolo que classifica o risco e tenta organizar o atendimento. Muito bom na teoria, pra alfabetizado nenhum botar defeito. O problema é que esses alfabetizados são em número bem reduzido.

Alguns que conseguem entender o processo, ou que já passaram por ele mais de uma vez tentam explicar para os outros como é que a coisa funciona. Do seu jeito.

E aí vem a solidariedade do nosso povo que compartilha a sabedoria da vida sem o saber das letras.

E cada historia que é contada...

  • “Meu filho é especial. Não pode comer açúcar mas gosta de um doce que só”. Agora não consegue fazer xixi e ninguém sabe porque...Está lá na ala vermelha. Eu não vou entrar. Eu sou acelerado e não passo bem vendo isso tudo.

Outro diz:

  • ela está na ala amarela. Eles não estão chamando a gente. É por que aconteceu alguma coisa lá dentro. Será que é com minha filha? Acho que é por que chegou muita ambulância. (era hora de visita!).

E quando alguém é chamado, “Boa sorte!, Fica com Deus”.

De fato várias ambulâncias tinham chegado.

Uma garotinha de uns 4 a 6 anos, atropelada, com a perninha torta da fratura, chorava pra caramba. Os médicos e para médicos correram todos, todo mundo falando junto entre si e com a menina.

Arrumaram a perninha dela e colocaram numa tala. A mãe trabalhava ali no hospital e estava de plantão, era auxiliar de enfermagem. E lá vai a menina pra sala vermelha. Com a mãe, afinal menores e muito maiores podem e até mesmo devem ser e ficar acompanhados. Mas muitos ficam é sozinhos mesmo, por desinformação ou por covardia dos acompanhantes.

Dali à pouco chega o pai.
Alguém lhe pergunta: Você é o pai da menininha? Por que num lugar desses pouca gente tem nome! (é senhorzinho, senhorinha, menina, moça, moço...). Ele, o pai, vai confirmando e já se desculpando: Sou sim. Foi um segundo Ela estava do meu lado. Tirei ela debaixo do carro. O motorista não culpa nenhuma....

E o perguntador anônimo, vendo o desespero, diz: Ela está bem, nem chorou quando os médicos mexeram com ela...

Hã?!! Entendi!!

O guardinha, gordinho, com jeito de bonzinho, com um paletó que não fechava direito, que faz uma cara de mau, tentando impressionar: O senhor já fez a ficha dela? Me passa aqui.

Depois chegou um camarada com a cabeça enfaixada e a faixa com algum sangue. Estava na ala vermelha e veio pro saguão pra ser levado para a tomografia. Não tinha acompanhante. Chamou o enfermeiro algumas vezes até que este lhe atendeu. Queria a mochila dele. Depois de recebê-la, tirou dela o celular e a carteira e colocou no bolso. E ficou ali na frente de todo mundo aguardando ser levado pra tomo, com a mochila em cima do corpo, desajeitado que estava naquela maca sem apoio pro pescoço.

Outro com a cabeça enfaixada chegou acompanhado. Bêbado que só. Seu acompanhante um travesti. E quanta lição de moral o bêbado escutou, ou melhor os que estavam no saguão escutaram pois o bêbado mesmo aparentava não escutar nada. E o acompanhante falava alto pra dedéu!

Mas o mais interessante foi ver a cara e as feições do tal guardinha. Torcia o nariz, olhava de lado, meio torto, como quem no mínimo não aprovava o que via. A cada sermão uma torcida de nariz. Aparentemente tanto o bêbado como o travesti eram moradores de rua. E os conselhos do travesti ao bêbado nem podem ser publicados aqui (sem a autorização do “sem nome”, é claro).

Uma senhora, nova, em agonia na sala de espera. Seu marido, ainda novo, sofrera um princípio de AVC (Acidente Vascular Cerebral). E como não era menor e nem muito maior não podia ficar lá dentro acompanhado. Passa uma enfermeira que saia de dentro da tal sala vermelha. A senhora pergunta: “como ele está”. - Fulano de tal? Tá dando o maior trabalho, tá gritando e xingando todo mundo!

Pela história da senhora, a mãe do marido havia falecido ali mesmo depois de ser internada com um AVC, e na cabeça do homem, era culpa do hospital: “Eles mataram minha mãe”.

Ele não queria ser internado. Nem percebia que tinha tido um princípio de AVC. E a mulher do lado de fora ficou mais nervosa ainda. Apertava as mãos. Sentava e levantava...

Pois é, os dramas comovem e solidarizam as pessoas. Afinal ali, a maioria fica impotente, e vendo um o sofrimento do outro angariam forças pra tocar o seu lado da vida.

A menininha atropela sai da ala vermelha pra ser levada para o raio “X”. E aquele pai desaba em choro. Inconsolável, sentindo-se culpado. Toma uma dura da mulher que já acalmada e a par da situação manda ele ficar quieto e não atrapalhar.

A evidente falta de funcionários no hospital se demonstra quando os acompanhante é que tem que carregar a maca do doente de um lado pro outro. Leva pra tomo. Volta por que não tem ninguém lá. Toma bronca. Volta pra tomo. Tá sozinha. Manda chamar outro acompanhante que está na recepção. Leva pra lá, volta pra cá. Gente que pagou o imposto, já no hollerith, descontado na marra, e que tem que fazer o serviço pelo qual pagou.

Deixamos o local com aquela sensação de impotência, pois o problema é gigante, pela.... como já mencionamos.

Estacionamento a pagar pois mesmo sendo um local público não tem lugar pra carro, afinal na cabeça de muitos governantes, sistema público não é pra quem tem carro, é pra pobre.

Pobre na verdade é esse que tem esses pensamentos e convicções medíocres, que dividem as pessoas em castas e lhes negam a condição de mudança. Deveria ser esse, impedido de receber atendimento no Sírio-Libanês, às nossas custas, e entrar nas filas do “melhor sistema de saúde pública do mundo” (imagine só o que tem por aí!).


A menininha atropelada gritou e foi atendida de imediato!



Fica aí a dica!

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Curiosidades de uma fila - Um dia numa UPA


Curiosidades de uma fila








Oi Gente boa!

Recentemente passei por um problema de saúde e precisei dos serviços públicos para que o mesmo fosse resolvido.

Nesse processo observei uma série de coisas interessantes e curiosas.

Primeiro, num lugar público você acaba por ver tudo o que é tipo de gente.

Alta, magra, gorda, arrumada, relaxada, esculachada, vestida como rainha ou como plebéia, e assim vai...

Criança chorando, criança rindo, criança pulando, algumas poucas obedecendo, as demais aprontando.

Criança sempre nos leva ao riso ou ao torpor, à graça ou à desgraça, pra não dizer de outros sentimentos menos nobres.

Jovens mães. Bem jovens mesmo. Vestidas como meninas brincando de bonecas. Mas eram cenas reais. Crianças, bebês, gripadinhos, catarrentos, melequentos....aff! Tempos difíceis.

Uma senhorinha miúda, com um casaco cor de rosa (tipo rosa bebê), um lenço meio escuro no pescoço, uma calça toda colorida e colada no corpo, tipo essas roupinhas de criança, um tenis também rosa e andando toda pomposa como se fosse a rainha da Inglaterra.

Junto dela um senhor gordinho, com cara de tanso, que depois de meia hora já estava bravo com a demora. Sentava e levantava da cadeira de espera sem nem mesmo ceder o lugar pra ela que ficou de pé o tempo todo. Quase dormiu em pé. Quase caiu!

Esperamos por mais de cinco horas e você pode imaginar o estado dessa criatura... até que ele parou em frente à porta do consultório. Assim que esta se abriu passou a vociferar certos impropérios para doutora.

Esta, provavelmente já acostumada com situações semelhantes, respondeu-lhe calma e tranquilamente: Senhor, tenha paciência, tem muita gente hoje aqui, logo chega sua vez. E chegou mesmo. Ele era a próxima ficha...

Pessoas vestidas como se fossem pra uma festa. Outras como se fossem pra farra. Outras nem lá nem cá.

Chinelos, sapatos, sandálias, com e sem meia, shorts, bermudas, calças, saias curtas, longas.

Brincos, anéis, pulseiras, pinduricalhos de montão.

E os celulares. De monte. Mais celular que gente. Joguinhos, conversas, toques.

Uma delas entrou num desses jogos que tem uma musiquinha que repete, repete, repete,...num volume incomodante, a ponto da enfermeira sair do seu posto e mandar tirar o volume (sem muita educação, demonstrando que a paciência à muito tinha saído pela porta, se é que tinha vindo de algum lugar...).

Os doutores então... tem de tudo. Alguns acham que sua voz suave será ouvida acima daquele burburinho que mais de cem pessoas fazem num espaço que deveria conter somente metade delas.

Outros chamam os nomes com tanta força que até silenciam a multidão. Mas também temos os estrangeiros que com seus sotaques não conseguem pronunciar de forma correta os nomes de nosso povo, que fica entreolhando-se em busca de confirmações de um pra com outro sobre qual teria sido o nome chamado...até que alguém grita um nome...(o nome de quem fora chamado)...

Alguns médicos talvez já de saco cheio com a situação, a falta de condição, o descaso com o povo e por que não pra com eles também, apesar do salário, tratavam claramente o que a pessoa achava ou dissera ter pois menos de dois minutos era o que gastavam com cada um da enorme fila.

Se você diz que tá com tosse, tome xarope. Febre, dá-lhe dipirona no traseiro. Dor nos rins, tome tramal na veia. Vomito ou diarréia, tome 1 litro de soro, com Plasil, e assim vai. Passa hora, passa dia, passa semana, tudo igual.

A maioria era encaminhada pra tomar um injeção, talvez, punição pra parar de encher o saco com banalidades.

Banal ou não o povo sente. Sente a dor de uma possível doença e sente a dor do desprezo, do sistema desumano e dos profissionais que o atendem. Muitos são de fato profissionais. Outros deveriam ser banidos, especialmente quando se colocam na posição de superiores e de detentores de palavras de ordem, na maioria das vezes em tons ríspidos, secos, em frases curtas que não explicam nada e deixam o povo aturdido, mais ainda do que já chegam, perdidos.

Mas também tem os médicos que gastam uns vinte a trinta minutos por paciente, deixando os demais impacientes até serem atendidos.

Fiquei mais de cinco horas nesse lugar. Fui atendido por um médico de vinte minutos. Tive que voltar lá pra tomar um antibiótico na veia por mais dez dias.

Vi também que o analfabetismo funcional é gigantesco.

Noventa e nove por cento do povo não sabe entender o texto das placas indicativas.

“Colocar somente a guia e manter a receita até ser chamado”.

Mas quem sabe o que é guia e o que é receita?

Colocam tudo no escaninho.

O funcionário, tipo cão de guarda, pegava a papelada e chamava o paciente. Este achando que já seria atendido corria pra porta.

-”É pra deixar só a guia. Segura a receita pra quando for chamado”. Em tom duro, bravo como se ele fosse o general de um exército de ignorantes e burros chucros.

Mas também existem alguns segredinhos.

Cheguei sempre cumprimentando. Sorrindo, mesmo em meu estado doentio. Brincando um pouquinho, sem exagerar. Tratando aquele algoz como gente.

E recebi de volta um sorriso, um tratamento mais relaxado, menos ríspido.

Reconhecia com eles e pra eles que o trabalho é difícil, pesado, cansativo. Me aliava às suas causas e essa solidariedade gratuíta quebrou barreiras.

No final dos dez dias era quase um amigo.

No meio desses atendentes, de vez em quando aparecia um bando de estagiários acompanhado de um professor do curso de enfermagem.

Por duas vezes foram eles que pegaram o meu caso. Eles precisam aprender. Temos que ter paciência. Ser cobaia exige um esforço extra. Eles tremem mais que a gente. Apesar de que eu não tenho medo nem problemas com agulhas e cias. Mas compensa. Ainda bem que o professor acompanha e corrige. Fechou com chave de ouro pois minhas veias já estavam enfraquecidas pelos remédios e pela doença em si.

Mesmo assim acabei mais furado que um queijo suíço. Algumas veias não resistiram e estouraram...

Apesar dos esforços de um bom relacionamento, tem uns mal humorados. Eternos carrancudos.

Acho que se não gostam do que fazem ou das condições precárias a que são submetidos, deveriam procurar outros caminhos em vez de distribuir maldades ao invés de bondades.

O povo não é santo. Tem um monte de bêbado, drogado. Bandidos acompanhados por policiais. Gente que só busca por um atestado, etc...

Mas a grande maioria é gente que precisa de socorro, de remédio, de palavras simples, diretas e objetivas que resolvam pelo menos em parte suas condições e situações.

E por último, o que vi foi um tremendo desperdício de dinheiro público. Do nosso dinheiro. Com processos burros, papelada desnecessária, sem tecnologia. Parece tudo proposital só pra justificar gastos que poderiam ser muito, mas muito melhor consumidos.

Com esse processos “burros”, você vê um monte de gente que corre dum lado pro outro. Carrega uma pilha de papel pra cá, outra pra lá, e pra que?

Um sistema simples de informática, integrado, com a história dos pacientes facilitaria e melhoraria em muito essa semvergonhice toda. Além de ajudar na identificação das fraudes que depois de cinco horas ficam explícitas pra todo bom entendedor da vida.

Sem desejar nada disso pra ninguém!

Até!



segunda-feira, 30 de abril de 2018

Tempo


(para você ler e refletir em ocasiões especiais)


Tempo de festa,
tempo de alegria,
tempo de reflexão,
tempo de avaliar,
avaliar o próprio tempo.

Tempo que passa,
tempo que soa,
tempo que voa.

Soa alvo,
soa ambição,
soa desejo,
soa trabalho,
soa amor,
soa comunhão,
soa compaixão.

Esse comungar das paixões,
dos amores,
dos trabalhos,
dos desejos,
das ambições,
doa alvos,
fez com que o tempo até agora,
soasse,
voasse,
passasse.

E agora nessa avaliação,
nessa reflexão,
nos alegramos e festejamos as conquistas,
agradecendo ao Criador pela força,
recebida no início,
no meio,
e no fim de cada uma delas.

O tempo?
Continuará inexorável.

Cabe a nós festejá-lo e apreciá-lo sempre!

Nosso agradecimento a todos indistintamente,
por fazerem parte dessa história,
deixando memória.

Um grande continuar do tempo.

Pra você!


Este texto foi elaborado originalmente para festa de fim de ano da Datasul BI, em 2006, empresa onde eu trabalhava, era co-proprietário e gerente de desenvolvimento e de produto.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Um "Andarinho"


Crônicas da vida - Um "Andarinho"






Hoje vou iniciar uma série onde vou narrar fatos da vida que presenciei ou que me contaram e que entendo que tenham algum valor pra vida, afinal aqui nessa blogosfera nossa visão é integral: corpo, mente e espírito e nada como os fatos, as histórias, as percepções reais para nos motivar, nos ensinar, nos conscientizar …


Um “andarinho”


Celestina e seu marido Franscisco, carinhosamente chamados de Tina e Chico, trabalham com pintura de residências e pequenas reformas.

Chico já com 70 anos, todo dia pega sua bicicleta e segue para o local onde está trabalhando.

Tina cuida de detalhes da casa, de gente necessitada, de todo tipo e condição, e depois segue para o local para ajudar o Chico.

Para alguns trabalhos eles contratam ajudantes, dependendo do volume do mesmo e da pressa do contratante.

Certa vez contrataram Mauro, um “andarinho”, assim o chamavam devido à sua pouca formação e até mesmo a um pouco de surdez da Tina.

Chico é meio devagar nas ideias, na percepção das realidades, nas decisões da vida.

Viúvo, antes de conhecer Tina e pai de Paulo que não se preocupa muito com o trabalho. Parece até estar esperando a herança pra viver de “renda” ( o aluguel da propriedade onde moram).


A Mardita!



Mauro ajudou em muitos trabalhos e se tornou “amigo” de Tina e Chico, porém não tinha onde viver ou morar e era usuário de tudo o que muitos que vivem na rua usam: drogas, alcool, etc....

Certa vez Mauro chegou tão “tocado” no trabalho que teve que voltar pra “casa”. Nessa altura Tina tinha providenciado um quarto numa pensãozinha onde Mauro acomodou suas coisas que não eram muitas (uma bicileta, algumas poucas roupas e uma caixa de documentos).

Mas no caminho de casa achou um bar, e existem muitos bares nos caminhos da vida de todos nós.

O bar no caminho de Mauro vendia a mardita cachaça, que é muito boa pra culinária e até para uns goles conscientes (de quem realmente tem consciência), mas muito ruim pra quem talvez até com consciência mas sem esperança, perspectiva, ou com doenças do corpo e da alma utiliza a mardita como fuga, ou outro tipo de explicação que muitos tentam dar.... e poucos conseguem entender.

Bebeu tanto que entrou em coma alcoólica.

Alguém o recolheu ao Pronto Socorro, de lá ligaram pra Tina.

Havia um papel com seu telefone no bolso de Mauro. Tina providenciou internação numa clínica de recuperação e Mauro conseguiu ficar sete meses sem beber!

Voltou a ajudar Chico e Tina nas empreitadas quando necessário, mas depois de um tempo sumiu.

Foi despejado da pensão, por falta de pagamento, embora Mauro se vangloriava de ter uma poupança de dezoito mil. Fala-se que uma mulher o enganou servindo-o de alguma maneira mas ficando com a grana toda.

Mauro voltou a andar, fora do ninho ou no ninho, afinal era um “andarinho”.


O que de sempre às vezes deixa de ser!



Passado algum tempo Tina recebe um telefonema:

  • por favor dirija-se ao Pronto Socorro. O senhor Mauro chegou por aqui com fortes dores e precisa passar por uma cirurgia. Só encontramos um papel com seu telefone no bolso de Mauro. Não encontramos familiares.

Tina pensou ser o pronto socorro da cidade onde morava e com pressa arrumou-se e foi até o PS onde ninguém sabia de nada.

De imediato não passou pela cabeça de Tina que seria na cidade vizinha. Agoniada tentou tudo o que conhecia, mas não encontrou onde estava Mauro.

Chico, como sempre, não ligou o lé com cré e não percebeu a gravidade da situação. Ele conhecia uma irmã de Mauro que morava numa cidade há mais de 500 Km de distância, mas não sabia como acioná-los, nem seus nomes, nem nada....

Certa vez Tina já tinha ajudado Mauro que estava com duas facadas na barriga. Segundo ele era uma tentativa de suicídio, mas ninguém sabe até hoje o que realmente aconteceu. Como sempre Mauro saía bem da situação e voltava para sua vida.

Mas desta vez a história teve um final diferente.

Tres dias depois o telefone toca novamente procurando por Tina:

  • dona Tina, infelizmente o senhor Mauro faleceu e encontra-se no IML.

Depois de uma breve conversa descobriu-se que era na cidade vizinha. Não havia mais o que fazer!

Não para a vida, mas ainda havia algo para a dignidade!

Dignidade




Dignidade é algo que devemos a todos.

Mesmo aos que consideramos indignos!

Mesmo aos que tem trajetos de vida com o qual não concordamos, ou não entendemos, ou que explicamos mas não cabe na razão, porque afinal existem razões que a própria razão desconhece!

Mauro fora órfão de mãe logo aos dois anos de idade e fora criado por essa irmã que Chico conhecera.

Explica? Justifica? Conforta?

Acho que sim e acho que não! Você me entende?

Tina, que sempre dignificou os necessitados, que sempre ajeitou as situações de alguns desprezados, rejeitados, indesejados...dignificou a morte de Mauro.

Foi até o IML. Reconheceu Mauro. Como enterrar alguém sem família? É preciso autorização do delegado.

Foi até a delegacia. Esperou pelo delegado que estava em horário de almoço.

  • O que eu tenho a ver com isso?

Explicou a situação e conseguiu a autorização.

Voltou ao IML. Agora é preciso ir ao serviço funerário.

E como providenciar as coisas sem dinheiro?

O servidor do IML deu o caminho das pedras. Procure fulano de tal....

Caminhou até o serviço funerário. Fulano de tal estava ocupado. O outro disse que custariam setecentos reais!

Desconversou e deu uma volta olhando o preço dos demais “envelopes de madeira”. Tinha um de trezentos e cincoenta e dois reais. Porque será que o homem falara setecentos?

Fulano de tal desocupou-se. Atendeu com respeito e dignidade aquela que buscava dignidade para um “morto indigno”.

  • A senhora quer com flores? Se for com flores só dá tempo pra amanhã. Sem flores a gente pode enterrar agora mesmo. Mas tem que ser agora. Só temos mais uma hora.....

Foi sem flores mesmo. Mas como faço pra chegar ao cemitério?

  • falo com o motorista e a senhora vai de carona!

Dignidade mesmo no carro fúnebre!

Foram ao IML, retiraram o corpo, levaram ao cemitério. Sem flores.

Sem flores? Pera aí......Moço espera um pouquinho.

A floricultura do cemitério estava fechada. Bateu tanto que alguém apareceu.

Um pequeno vazinho de flores.

Segue o enterro. Tina sempre achou tristes aqueles enterros sem ninguém acompanhando e agora lá estava ela numa situação onde era apenas uma conhecida do morto. Uma conhecida que lhe dava agora um último momento de dignidade.

Os coveiros estavam realizando um outro sepultamento e ao perceberem a situação pediram aos acompanhantes deste para ajudarem a carregar o caixão daquele!

Dignidade solidarizada!





No local da cova. Moço, pode abrir um pouquinho só o caixão?

Poder não pode, mas devido à situação.....

Chorando, Tina despetala a flor do vazinho sobre o corpo de Mauro.

  • Seu burro, eu falei pra você ficar longe da mardita cachaça!!!

Dignidade novamente, mesmo em meio a palavras mais duras.

Choro, pela ausência da dignidade, pela indignação diante de situações da vida, mesmo na presença da morte, mas que devolvia dignidade...

Chico não fora junto, não percebera novamente a situação. Tina resolvera, como sempre!

Depois disso uma semana de tentativas para encontrar a família. Finalmente um número de telefone do interior.

Tina foi até uma vizinha que tinha um plano de interurbanos sem custo e ligou.

Alguém atendeu e ao perceber que Tina queria falar de Mauro logo foi gritando:

  • mãe, vem cá. Notícias do tio Mauro!!!

Logo Tina foi falando:

  • ei, não se alegre não que a notícia é ruim!

Depois de explicada a situação a família prometera vir buscar as “coisas” de Mauro. E como não podia deixar de aparecer na história perguntaram a Tina:

  • ele tinha uma poupança né?

Dignidade que o dinheiro não trouxe. Ninguém sabe se o dinheiro existe ou não. Pelo menos não a Tina nem mesmo o Chico, que nem sabe cobrar direito pelos seus serviços.

No dia de voltar ao cartório para pegar a certidão de óbito Tina levou uma cesta de queijadinhas preparadas com esmero. Deu um pouco delas pra cada um que a ajudou no processo.


Dignas queijadinhas promotoras do reconhecimento da dignidade!




Nota: os nomes verdadeiros dos personagens desta história foram alterados para preservar-lhes.... a dignidade.








sábado, 20 de setembro de 2014

O que é a bíblia? Parte 21. No Ar, No Mar (por Rob Bell)



Série de reflexões sobre a Bíblia, escrita e publicada originalmente em inglês, no tumblr, pelo próprio autor Rob Bell e sua equipe. (http://robbellcom.tumblr.com/post/66107373947/what-is-the-bible).
Transcrito e adaptado para portugues por Marcus Vinicius Epprecht com autorização do autor. Proibida a reprodução para fins comerciais ou qualquer forma de ganho sobre este texto sem a autorização expressa do autor e do tradutor.
Revisado por Felipe Epprecht Douverny e Fernanda Votta Epprecht.
Publicado em português simultaneamente nos seguintes endereços:





Parte 21. No Ar, No Mar




Alguns de vocês perguntaram sobre inerrância. Se você não está familiarizado com essa palavra, é uma palavra que alguns usam para argumentar que a Bíblia não contém erros. Nos próximos dias vou escrever sobre a ideia de que a Bíblia é a palavra de Deus, inspirada e autoritativa, mas hoje, inerrância.

Meu filho de 13 anos está atualmente fazendo um programa de educação que exige dele ouvir uma certa quantidade de música clássica a cada dia. Então, no caminho para a escola todas as manhãs em vez de ouvir o nosso habitual Blink 182 e rap, ele escuta ... Mozart. Não foi a sua primeira escolha, mas recentemente ele admitiu que tem gostado cada vez mais de música clássica. (Como é que um pai não sorri diante isso?).

Algumas perguntas, então, sobre Mozart:
Será que a música de Mozart ganhou?
Você diria que a obra de Mozart está no topo?
Mozart é o MVP?
Em sua opinião, Mozart prevaleceu?
As músicas de Mozart ganham o prêmio?

Perguntas estranhas, certo?
Elas são estranhas porque não é assim que você pensa sobre a música de Mozart. Elas são as categorias erradas.

Por quê?
Porque o que você faz com a música de Mozart é escutá-la e gostar dela.

O que nos leva à inerrância: não é uma categoria útil. E se você tivesse ouvido falar de Mozart como aquele que ganhou, esses argumentos provavelmente impediriam você de realmente ouvir e apreciar Mozart.

Em primeiro lugar, essa não é uma palavra que a Bíblia usa sobre si mesma. Você pode imaginar perguntar ao apóstolo Paulo se a carta que ele estava escrevendo era inerrante? É importante não impor sobre a Bíblia categorias que a própria Bíblia não reconhece. Os escritores falam sobre a palavra de Deus e inspiração, sobre o sopro de Deus e autoridade, mas eles não mencionam inerrância. Os escritores da Bíblia falam é sobre como os acontecimentos que se desenrolam na história humana real revelam um Deus que age no mundo. Eles estão interessados em que os seus leitores vejam esse movimento e encontrem vida nele.

Em segundo lugar, esse não é o livro que temos. O que temos é uma biblioteca de livros escritos por um número de pessoas num longo período de tempo. Às vezes eles são a favor do divórcio, às vezes eles são contra. Um diz que Jesus era de Nazaré, outro de Belém. Em um lugar está escrito que o destino dos indivíduos está predestinado, em outro todo mundo é livre para escolher. Um diz que Davi pagou X por um pedaço de terra, outro diz que ele pagou Y. Uma história começa com Deus levando Davi a fazer alguma coisa, outro conta a mesma história e diz que Satanás o levou a fazê-lo.

A lista é longa .

Algumas dessas diferenças / contradições são facilmente resolvíveis - um relato foi escrito anteriormente, refletindo essa moeda ou maneira de pensar ou mentalidade, enquanto o relato conflitante foi escrito mais tarde, refletindo a mudança de pensamento que havia ocorrido entre os dois relatos.

Às vezes, o escritor tem uma agenda e está trabalhando em um estilo particular e relatando os eventos de seu tempo de tal maneira, que nós simplesmente não podemos entender o que exatamente está acontecendo no momento em que ele escreve.

Outras vezes temos suposições sobre a história e como ela é registrada que não são compartilhadas pelo escritor e por isso as estamos lendo e tentando descobrir como eles erraram tanto, quando na verdade eles não estavam escrevendo com essa intenção especial em primeiro lugar. (Acreditava-se que o imperador César, no final de sua vida, ascendeu aos céus para sentar-se à direita dos deuses - é por isso que Lucas termina seu livro com Jesus subindo aos céus? ... Para onde Jesus foi? Para o céu? Porque nós já enviamos naves espaciais até lá e ninguém o viu! Haha. Assumimos que Lucas está escrevendo os detalhes reais do que aconteceu, mas quando você volta e percebe que Lucas quer que seu público veja Jesus como Senhor, e não César, então a maneira como ele descreve Jesus ascendendo começa a fazer mais sentido. Nós, modernos, gostamos quando a história é precisa em relação a tempos e datas e fatos reais. É por isso que ainda estamos fascinados com o assassinato de Kennedy - parece que não temos todos os fatos exatos. Mas escritores antigos tinham objetivos diferentes - Lucas não está tentando nos enganar, ele está contando uma história da forma como as pessoas de seu tempo contavam histórias ... ) Mas, por mais que você lide com as estranhezas da Bíblia, se você negá-las ou evitá-las ou agir como se fossem facilmente descartáveis, as pessoas vão fechar suas mentes ou vão parar de ler.

É assim com você?
Ou você adota a linha do partido, o que significa que você tem que deixar o seu intelecto na porta,
ou
você cai fora?

O que me leva a um terceiro ponto - inerrância e argumentos semelhantes têm uma capacidade extraordinária de afastar as pessoas da Bíblia.

Eu já vi isso inúmeras vezes,
você também.

Não se trata de Mozart ganhar, é sobre Mozart ser experimentado pelo som bonito que ele faz. O uso de categorias inúteis sempre vai se voltar contra você. É possível usar tantas palavras e argumentos com relação à Bíblia que as pessoas ficam realmente vacinadas contra seu poder e beleza.

O que me leva ao quarto ponto, que começa com uma pergunta:

Você já aderiu totalmente à teoria das cordas?

Será que ela molda as decisões que você faz todos os dias – desde o que você compra, até como você come e a sua opinião sobre multiversos e como você reagiu ao último episódio de Breaking Bad?

Provavelmente não.

Mas e se a teoria das cordas se provar verdadeira? E se realmente descrever o modo como as coisas são – e então as suas implicações moldarem o comportamento humano de inúmeras maneiras? E se a teoria das cordas tornar-se a forma como vemos o mundo? (Lembre-se, houve um momento em que as pessoas perceberam que a Terra era redonda. Outra hora eles perceberam que a Terra não era o centro do universo. Depois, foi a constatação de que, apesar de serem invisíveis, germes são reais).

Agora, vamos imaginar que essa revolução das cordas aconteça – ela vai negar tudo o que se disse e se fez antes? Será que vamos ler suas mensagens de tumblr antes de se tornar um cordista como o resto de nós e desacreditá-lo? Não, não vamos.

Por quê? Porque você é uma pessoa real, e tudo o que faz e diz vem através de sua muito real humanidade, com suas paixões e sonhos, pensamentos e perspectivas limitadas, e julgamentos precipitados e tudo o mais que faz de você, você. O poder da Bíblia não vem de evitar o que ela é, mas abraçar o que ela é. Livros escritos por pessoas reais, finitas, limitadas, e falhas. Pessoas reais, que vivem em lugares reais, em épocas reais. E não é apenas a sua visão de mundo limitada - uma das afirmações repetidas pelos escritores bíblicos é que nós, como seres humanos, somos pecadores, desde a história de Adão e Eva até o fim, com o Apóstolo Paulo escrevendo sobre como todos nós temos ficado aquém ... nós temos a capacidade tremenda de bagunçar tudo. E a Bíblia chega até nós por meio desses mesmos tipos de seres humanos.

Em quinto lugar, então, ao defender a inerrância se defende um tipo diferente de biblioteca de livros, uma biblioteca que não temos. É importante crescer, evoluir e amadurecer. O fundamental para a maturidade é o discernimento, o reconhecimento crescente de que a realidade não é tão limpa e arrumada e simples como gostaríamos. Inerrância é uma falha em crescer na reflexão sobre a Bíblia. O que temos é uma coleção de histórias e poemas e cartas e contos e evangelhos fascinante, bagunçada, imprevisível, às vezes impressionantemente bela, outras vezes visceralmente repulsiva, que reflete a crescente convicção de que somos importantes, que tudo está conectado e que a história humana está indo para algum lugar.

Como já escrevi antes, para apreciar plenamente a Bíblia, você deve deixá-la ser o que é. E quando você faz isso, você descobre que ela é cheia de vida e surpresa.

O que me leva a uma última pergunta: se algo extraordinário e real e convincente está acontecendo na história humana, de que outra forma poderia ser escrito?

Ou, dito de outra forma: Quando se trata da Bíblia, o que você estava esperando?

Ou, dito de outra forma: De onde é que as pessoas tiraram a ideia de que inerrante é a forma mais elevada de verdade?

Mozart é inerrante?
O pôr do sol é inerrante?
Será que o amor entre você e a pessoa por quem você está apaixonado é inerrante?
A melhor refeição que você já comeu é inerrante?

Em matemática, é ótimo não ter erros,
o mesmo acontece na criação de um carro ou na construção de uma casa que você não quer que entre em colapso, mas a Bíblia tem a ver com Significado. Esperança. Coragem. Inspiração. Alegria. Redenção.

A Bíblia tem a ver com a música.
Música que você não analisa ou discute,
música que você ouve.
E desfruta.




Próximo: O que é a Bíblia? Parte 22 – A Palavra de Deus, Baby.